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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O NATAL MADEIRENSE.


Lapinha - É com este termo que na Madeira se designam os «presépios», que desde séculos tão generalizados estão entre nós. Julgamo-lo uma palavra peculiar deste arquipélago. Deve ser o diminutivo de «lapa» com o significado de furna, gruta ou cavidade aberta em um rochedo, por analogia ou semelhança com o local do nascimento do Divino Redentor. É possível que em outros tempos conservassem essa analogia ou semelhança, mas, ao presente e na generalidade, as «lapinhas» madeirenses são armadas sôbre uma mesa, tendo como centro uma pequena escada de poucos decímetros de altura, de três lanços contíguos, e no topo da qual se coloca a imagem do Menino Jesus. Em todos os degraus da escada e em torno dela estão dispostos os «pastores» e vários objectos de ornato, por vezes bem estranhos e sem próxima afinidade com o resto do presépio(frutas, searinhas etc.) . Em obediência às condições do meio, terão algumas características próprias, como sejam as ornamentações com os ramos do arbusto «alegra-campo» e dos fetos «cabrinhas», que lhes imprimem uma feição pitoresca e alegre. Terão uma certa originalidade os chamados «pastores», isto é, pequenas figuras de barro de grosseiro fabrico local, que quase sempre não representam pastores ou zagais mas indivíduos das várias camadas sociais.

Ainda são muito vulgares as «lapinhas» com as chamadas «rochinhas», consistindo estas no simulacro de um pequeno trecho de terreno muito acidentado, feito de «socas» de canavieira e que geralmente conserva na base uma pequena «furna» representando o presépio em minúsculas figuras de barro.

Existiam, mas hoje são já muito raras, estas mesmas «rochas», talhadas em maiores proporções e em que se viam igrejas, estradas, pequenas povoações etc., embora sem grande harmonia no conjunto, mas oferecendo um certo e original pitoresco.

Natal - As festas do Natal duram na Madeira desde o dia em que se comemora o nascimento de Jesus até o dia de Reis, havendo durante êste tempo muitos folguedos, descantes e outras manifestações de regozijo, que poetizam esta bela quadra do ano. As refeições são melhoradas, e rara é a casa onde não aparecem a carne-de-vinho-e-alhos e os bolos de mel, assim como outras iguarias que são desconhecidas durante o resto do ano. Os templos enchem-se de povo por ocasião da missa do galo, em que a imagem do Deus-Menino é muitas vezes dada a beijar, e para completar as festas e solenidades do Natal, há ainda os presépios ou lapinhas, alguns deles verdadeiramente notáveis pela riqueza e variedade de seus adornos. Não há muitos anos, era uso nalgumas freguesias da Madeira «pensar» a imagem do Deus-Menino na noite do Natal, isto é levá-la e vesti-la sôbre um estrado colocado dentro da igreja, sendo êste serviço prestado sempre por uma rapariga, assim como um outro que consistia em oferecer ao mesmo Deus-Menino na referida noite, várias produçcões da terra. Rapazes e raparigas, vestidos com trajos antigos, conduziam piedosamente ao templo as suas ofertas, anunciando em seus cantares, por vezes muito harmoniosos, a quem eram destinadas as mesmas ofertas.

O velho habito de consagrar todo o dia de Natal à vida e festas recatadas da familia tende a desaparecer, e as ruas da cidade, desertas outrora naquele dia, apresentam-se hoje quase tão movimentadas como na primeira, segunda e terceira oitavas. É, no entretanto, durante estes três dias, que o povo continua a santificar não obstante ter sido dispensado disso pela Igreja, que principalmente se realizam as visitas e os cumprimentos de boas festas, os quais entre o povo rude são acompanhados quase sempre de abundantes libações, descantes e outros folguedos, que se estendem até horas mortas da noite. Desde a véspera do Natal até á Epifania, estrugem por toda a parte as bombas e busca-pés, com grave risco não só dos transeuntes, mas também daqueles que os atiram, muitos dos quais tem sido vitimas das suas loucuras e imprudencias.

O habito não muito antigo, de despedir o ano velho e receber ao ano novo com toda a espécie de fogos de artifício, é aquêle que mais chama a atenção dos forasteiros, sendo na verdade um espectáculo imponente e belo o que oferece a cidade do Funchal e seus subúrbios ao avizinhar-se a hora da meia noite do dia 31 de Dezembro, quando por tôda a parte se acendem os fósforos de côres e sobem aos ares os milhares de foguetes e granadas com que os madeirenses festejam a passagem dum para outro ano, na esperança de que aquêle que principia lhes traga tôdas as venturas que lhes negou o que vai sumir-se na voragem dos tempos. A noite de 31 de Dezembro é muito animada no Funchal, sendo a cidade percorrida por grandes ranchos que se dirigem para vários pontos dos arredores, ao som de machetes e violas, para daí contemplarem os festejos da meia noite.

É no dia 7 de Janeiro, após os Reis, que se desmancham as lapinhas e tudo volta á normalidade, mas algumas pessoas conservam os presépios armados até o dia 15, festa de Santo Amaro, que é, na opinião de alguns, quando devem ser dadas por findas as manifestações de regozijo do Natal, tanto do agrado do bom povo madeirense.

Vid. Lapinha.

Fernando Augusto da Silva, Elucidario Madeirense , vol. II, Funchal, 1965, pp.211, 406-407

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