Diz a lenda que, no tempo das guerras da Restauração, Miranda do Doutro esteve dias e dias cercada pelas tropas espanholas, ao ponto de, sem mantimentos nem munições para resistir, nada mais restar do que render-se definitivamente ao domínio invasor. E eis senão quando um menino de chapéu de palha, desconhecido, irrompeu pelas ruas gritando contra os espanhóis e apelando à revolta dos populares. Tal foi o bastante para que o povo ganhasse o alento que lhe faltava. Num ápice todos saíram à rua - uns com enxadas, ancinhos e forquilhas, outros com paus, cutelos e machados - unindo-se às tropas fragilizadas da restauração. E assim conseguiram afugentar e vencer os invasores. No final, o povo procurou o tal menino, travesso, refilão, o do chapeuzinho de palha. Queria louvá-lo. Vitoriá-lo. Mas quê? Onde estava? Quem era ele? Ninguém sabia. Tinha, pura e simplesmente, desaparecido. O povo acreditou então que havia sido o Menino Jesus que ali caíra, por milagre, para salvar a cidade. E logo mandou esculpir a imagem que passou a ser venerada na catedral. Entretanto, uma jovem que, na mesma batalha, havia perdido o noivo, um oficial das tropas portuguesas, resolveu oferecer o traje militar ao menino. E daí nasceu a tradição da dádiva de roupas. Muitos anos depois, porque alguém achou que o chapéu de palha não condizia com a nobreza do traje, e tão-pouco com o "estatuto" de um comandante, colocaram-lhe então a cartolinha. E que bem que lhe fica! A festa do Menino Jesus da Cartolinha celebra-se no dia de Reis, Domingo antes ou depois do dia 6 de Janeiro. Como é padroeiro das crianças o andor é transportado aos ombros por quatro meninos que se revezam ao longo da procissão.
Em certas regiões (e países) existe um costume em que grupos de crianças cantam cânticos e canções de Natal de porta em porta, na esperança de que as pessoas ofereçam doces, chocolates, dinheiro, etc. Esses cânticos de Natal de rua têm nomes diferentes e ocorrem em dias diferentes conforme os países:
- Na Grécia, no dia 24 de Dezembro, cantam-se as Kalandas.
- No Reino Unidos e nos Estados Unidos, no dia 26 de Dezembro cantam-se os Christmas Carols. Em Portugal cantam-se as Janeiras, a 6 de Janeiro, no Dia de Reis e, no mesmo dia, cantam-se em Espanha os Villancicos, geralmente acompanhados por pandeiretas e castanholas.
• As Janeiras são uma tradição antiquíssima Formam-se grupos pequenos ou com dezenas de elementos que cantam e animam as localidades, indo de casa em casa ou colocando-se num local central (esta é uma versão mais recente), desejando de uma forma tradicional um bom ano a todos os presentes. Nos grupos de janeireiros, toca-se pandeireta, ferrinhos, tambor, acordeão e viola, por exemplo. Em muitas aldeias esta tradição mantém-se viva, especialmente no Norte de Portugal e nas Beiras: "Nesta altura juntam-se os amigos que vão cantar as janeiras a casa dos vizinhos. Antigamente recebiam filhoses, vinho e outros artigos que as pessoas possuíam" conta António Manuel Pereira, presidente da Federação de Ranchos Folclóricos da Beira Baixa. No entanto, cantar as Janeiras ainda se faz um pouco por todo o País. As pessoas visitadas eram (são) normalmente muito receptivas aos cantores e aos votos que vêm trazer, dando-lhes algo e desejando a todos um bom ano. Mas há sempre alguém mais carrancudo que não recebe bem os janeireiros, então, segundo uma recolha dos alunos da EB1 de Monte Carvalho, em Portalegre, às pessoas que abrem "bem" a porta canta-se assim: Esta casa é tão alta É forrada de papelão Aos senhores que cá moram Deus lhe dê a salvação. E aos que não abrem a porta canta-se uma canção a dizer que os janeireiros estão zangados, porque as pessoas não lhe abrem a porta. É assim: Esta casa é tão alta É forrada de madeira Aos senhores que cá moram Deus lhe dê uma caganeira. Estes alunos referem-nos também que no fim os janeireiros fazem um petisco: bebem vinho e comem os chouriços assados.
Exemplos de Janeiras :
• Exemplos de quadras das Janeiras recolhidas por alunos da EB1 de Catraia Cimeira (Castelo Branco) Boas noites, meus senhores, Boas noites vimos dar, Vimos pedir as Janeiras, Se no-las quiserem dar. Ano Novo, Ano Novo Ano Novo, melhor ano, Vimos cantar as Janeiras, Como é de lei cada ano. Vinde-nos dar as Janeiras, Se no-las houverdes de dar, Somos romeiros de longe, Não podemos cá voltar.
• Exemplos de quadras das Janeiras recolhidas por alunos da Escola EB1 e Jardim de Infância de Ínfias (Fornos de Algodres) Aqui vimos, aqui vimos Aqui vimos bem sabeis Vimos dar as boas festas E também cantar os Reis. Nós somos as criancinhas Que pedimos a cantar Pedimos as Janeirinhas E bênção p'ra este lar. Levante-se daí senhora Desse banco de cortiça Venha nos dar as Janeiras Ou morcela ou chouriça. Levante-se daí senhora Desse banquinho de prata Venha nos dar as Janeiras Que está um frio que mata. As Janeiras são cantadas Do Natal até aos Reis Olhai lá por vossa casa Se há coisa que nos deis. Boas festas, boas festas Está a alba a arruçar Venha-nos dar as Janeiras Que temos muito para andar. Obrigado minha senhora Pela sua Janeirinha P' ro ano cá estaremos Nós e mais as criancinhas. Quem diremos nós que viva Na folhinha da giesta Já lhe cantámos as Janeiras Acabou a nossa festa. Exemplos de Janeiras 2
• Exemplos de quadras das Janeiras recolhidas por alunos da EB1 de Moitas Boas festas, boas festas Nós aqui as vimos dar Às senhoras desta casa Se as quiserem aceitar. Somos os jovens da Moita É Natal e agora Reis Vimos pedir as Janeiras E as esmolas sim, vós dareis. O dia está alegre Não vamos ficar cá fora Venham-nos dar as Janeiras Depressa e sem demora. Ó minha rica senhora Não tenha vergonha não Ponha a mão na salgadeira Puxe lá um chourição. Ficámos agradecidos Pela oferta recebida Que tenham muita saúde E muitos anos de vida.
• Escritores famosos também recolheram quadras de Janeiras, foi o caso de Vitorino Nemésio (1901 - 1978) Ó de casa, alta nobreza, Mandai-nos abrir a porta, Ponde a toalha na mesa Com caldo quente da horta! Teni, ferrinhos de prata, Ao toque desta sanfona! Trazemos ovos de prata Fresquinhos, prá vossa dona. Senhora dona de casa, À ilharga do seu Joaquim, Vermelha como uma brasa E alva como um jasmim! Vimos honrar a Jesus Numas palhinhas deitado: O candeio está sem luz Numa arribana de gado. Mas uma estrela dianteira Arde no céu, que regala! A palha ficou trigueira, Os pastorinhos sem fala. Dá-lhe calorzinho a vaca, O carvoeiro uma murra, A velha o que traz na saca, Seus olho mansos a burra. Já as janeiras vieram, Os Reis estão a chegar, Os anos amadurecem: Estamos para durar! Já lá vem Dom Melchior Sentado no seu camelo Cantar as loas de cor Ao cair do caramelo. O incenso, mirra e oiro, Que cheirais e luzis tanto, Não valeis aquele tesoiro Do nosso Menino santo! Abride a porta ao peregrino, Que vem de num longe, à neve, De ver nascer o Menino Nas palhinhas do preseve. Acabou-se esta cantiga, Vamos agora à chacota: Já enchemos a barriga, Sigamos nossa derrota! Rico vinho, santa broa Calça o fraco, veste os nus! Voltaremos a Lisboa Pró ano, querendo Jesus Exemplos de Janeiras 3
• Exemplos de quadras das Janeiras recolhidas por alunos da EB23 Marquesa de Alorna, Lisboa Esta noite é de Janeiras Esta noite é de Janeiras É de grande merecimento Por ser a noite primeira Em que Deus passou tormentos. A silva que nasce à porta Vai beber à cantareira Levante-se daí, senhora Venha-nos dar a Janeira. Levante-se daí, senhora Do seu tão caro banquinho Venha-nos dar a Janeira Em louvor do Deus Menino. Vinde-nos dar a Janeira Se no-la houver de dar Nós somos de muito longe Não podemos cá voltar. Vamos cantar as janeiras Vamos cantar as janeiras Por esses quintais adentro vamos Às raparigas solteiras Vamos cantar orvalhadas Vamos cantar orvalhadas Por esses quintais adentro vamos Às raparigas casadas Vira o vento e muda a sorte Vira o vento e muda a sorte Por aqueles olivais perdidos Foi-se embora o vento norte Muita neve cai na serra Muita neve cai na serra Só se lembra dos caminhos velhos Quem tem saudades da terra Quem tem a candeia acesa Quem tem a candeia acesa Rabanadas pão e vinho novo Matava a fome à pobreza Já nos cansa esta lonjura Já nos cansa esta lonjura Só se lembra dos caminhos velhos Quem anda à noite à ventura Letra e Música de Zeca Afonso